Entre o Negociado e o Legislado: Trabalhadores e Tribunais no Brasil.

Fernando Teixeira da Silva (Departamento de História/UNICAMP, Brasil)

Ponencia Teixeira da Silva

A concepção de que a tradição jurídica contratualista é o reino da autonomia coletiva, enquanto os modelos corporativos ou fortemente legislados são o reino da heteronomia de classe, é uma dessas ideias que adquiriram raízes, se naturalizaram e ocuparam lugar vitalício no pensamento jurídico e na literatura acadêmica. Esta apresentação visa questionar e relativizar tal concepção a partir da análise de centenas de processos (dissídios coletivos) que tramitaram no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (primeira instância) e no Tribunal Superior do Trabalho (segunda instância) nos primeiros anos da década de 1960, anteriores ao golpe civil-militar de março-abril de 1964.

O contrato coletivo, ou diferentes formas de acordo entre patrões e trabalhadores pela intermediação dos sindicatos, insere-se no Direito do Trabalho como uma reversão do papel jogado pelo contrato individual. No lugar de direitos e deveres definidos individualmente, segundo as regras do direito subjetivo, empregadores e empregados estabelecem normas coletivas de regulação de salários e condições de trabalho enquanto sujeitos de direito. Costuma-se, grosso modo, estabelecer duas vias regulatórias opostas e, muitas vezes, mutuamente excludentes: a regulamentação pública e a via da chamada autonomia coletiva. Esta última, geralmente referida a uma tradição jurídica contratualista, predominante nos países que adotam a Common Law, instaura um sistema de negociação direta entre as partes, sendo facultativos os mecanismos de conciliação e arbitragem, sejam eles públicos ou privados. Reinaria aí a vontade das partes, livres e iguais em direitos, para celebrar convenções coletivas. No caminho oposto, as negociações coletivas nos sistemas fortemente legislados se submetem a um mecanismo público de regulação e proteção, sendo em muitos casos obrigatória a arbitragem judicial, impondo severas limitações à liberdade de iniciativa das partes. Entre os dois modelos há muitas nuances, mas, de forma geral, prevalece a tendência de se estabelecer uma oposição binária em que um modelo é irredutível ao outro. Todavia, se descermos dos modelos para o mundo dos vivos, veremos que no mundo contratualista a liberdade de iniciativa não é assim tão livre, isenta de constrangimentos legais e dificuldades de várias ordens, inclusive de constituição da organização e representação sindical, como no caso dos Estados Unidos. Por outro lado, onde a ordenação pública dos contratos se faz sentir de modo mais intenso, como no Brasil, a vontade e a autocomposição dos interesses das partes não estão ausentes.

Portanto, trata-se de examinar, qualitativa e quantitativamente, um amplo universo de processos judiciais a fim de analisar a abrangência, a efetividade e os limites do poder normativo Justiça do Trabalho, ou seja, o poder desta justiça especial e autônoma de criar normas e condições de trabalho, ao mesmo tempo em que os tribunais apenas homologavam acordos estabelecidos diretamente entre patrões e empregados. O problema central está em saber em que medida a Justiça respondeu favoravelmente ou não às demandas dos trabalhadores em uma conjuntura de forte organização da classe operária e polarização política, comparando esse resultado com os acordos entre as partes.