Construindo caminhos, abastecendo tropas: contribuições para compreensão da economia regional sulina

Doris Rejane Fernandes (FACCAT)

No século XVIII o Rio Grande Sul, então área a ser conquistada dos espanhóis pela Coroa Portuguesa, caracterizou-se pela mobilidade da fronteira em construção. Espaços são construídos e desconstruídos frente aos avanços e recuos das guerras pela Colônia do Sacramento. Assim as áreas, que fazem parte dos trajetos dos soldados e tropeiros, vão sendo ocupadas e transformadas em pontos de apoio e abastecimento das tropas militares que seguem para as guerras pela Colônia do Santíssimo Sacramento. Este estudo propõe apresentar como as fazendas, vivendas e sítios estabelecidos nas proximidades da futura capital gaúcha, Porto Alegre, abasteceram e protegeram este ponto estratégico, bem como os fortes sulinos. A produção, as propriedades, a mão de obra e a circulação destes espaços foram mapeados permitindo a caracterização do espaço sulino, geograficamente um vale no caminho das tropas militares e dos comerciantes. Nossas fontes são primárias: processos judiciais, medições e demarcações de terras e inventários post mortem.

A Coroa portuguesa colocava em prática o princípio do uti possidetis para garantir juridicamente o que não lhe era possível no exercício da guerra (de fato). A ocupação dos vales, nas margens dos rios facilitava os caminhos; as estradas eram trilhas, onde soldados e tropeiros encontram apoio e abastecimento de gêneros alimentícios, indumentária e animais nos sítios e nas fazendas, localizadas neste espaço, caminho para o Prata. Desta forma, a fronteira vai sendo construída como ponto de divisa e de contato, movimentando-se conforme as situações de guerra.

Neste espaço encontramos espanhóis que para este local se encaminham e  se estabelecem por encontrar melhores condições de sobrevivência; de imigrantes açorianos que se estabelecem para garantir a posse da terra, diversificar a produção e servir de reserva militar em caso de necessidade; de desertores que buscam reconstruir suas vidas longe da guerra. São indivíduos de várias etnias e de posição social variável que constroem lentamente, a margem da e pela guerra o espaço sulino, desenvolvendo atividades agropecuárias, comerciais e de proteção lusa ao território sul brasileiro. Mostramos desta forma que a fronteira não se limita ao espaço da campanha gaúcha, mas neste período pela mobilidade e situações da guerra a fronteira se modifica, permitindo que vários indivíduos, dos mais diferentes espaços envolvidos, estejam presentes.