Debilitando o futuro: Acceso institucional e mortalidades no Rio de Janeiro (1907 – 1916)

Ponencia: Pereira

Thales A. Zamberlan Pereira (UFRGS)

O que aconteceu com a população negra no Brasil após a abolição da escravidão, em 1888? Apesar da visão de que o fim da escravidão terminaria com a desigualdade entre brancos e negros, a pobreza continuou atingindo de forma desproporcional a população negra do país ao longo do século XX (PNUD, 2005). Mesmo com flagrante desigualdade, poucos são os estudos que analisam a condição dos libertos após a emancipação (ANDREWS, 2003). Para o início do século XX, o foco normalmente recai sobre os imigrantes, por se considerar que a disparidade econômica nacional seria conseqüência da diferença no nível de capital humano entre a população brasileira e a nova força de trabalho estrangeira, formada pelo grande contingente migratório que chegou ao país no final do século XIX. No entanto, outros fatores que podem ter reforçado os mecanismos de desigualdade permanecem negligenciados.

Segundo North (2003), “An institutional story of long-run economic change begins by examining the changing initial conditions confronting diverse groups of individuals”. O objetivo deste artigo é analisar como o acesso institucional assimétrico por parte da população negra na capital brasileira da Primeira República reforçou os mecanismos de desigualdade. Para isso, utilizam-se dados que não estão diretamente relacionados com a diferença em capital humano, como taxas de mortalidade relacionadas à doenças cujas causas não eram devidamente compreendidas no início do século XX, como a malária. Sendo o desconhecimento das causas de enfermidades relacionadas à infra-estrutura precária distribuído uniformemente entre a população, pode-se verificar a hipótese de que o acesso institucional não era simétrico entre a população.

O estudo da distribuição de doenças e mortalidade na década de 1910 sugere uma situação de path-dependence. Para Fogel (2011) “Health and nutrition of one generation contributes, through mothers and through infant and childhood experience, to the strength, health and longevity of the next generation”. A diferença nas taxas de mortalidade, principalmente infantil, é um importante indicador de nível de renda para o período. O presente estudo utiliza os Anuários de Estatística Demógrafo Sanitária do Rio de Janeiro, para o período entre 1907 e 1916, em conjunto com o recenseamento da cidade do Rio de Janeiro de 1906, para demonstrar como a desigualdade, na capital brasileira do período, não foi apenas resultado de diferentes níveis de capital humano.

Evidência qualitativa demonstra que o governo tinha incentivos para investir em infra-estrutura nos bairros habitados por imigrantes, pois a experiência da imigração subsidiada demonstrou que o Brasil não tinha o mesmo poder de atração para trabalhadores estrangeiros que países vizinhos, como a Argentina. Além disso, a população emancipada era vista como um problema sem solução, e deveria ser abandonada à própria sorte. A evidência quantitativa demonstra que bairros habitados majoritariamente por negros tinham índices de mortalidade muito acima da média da cidade, chegando a ser vinte vezes superior a dos imigrantes italianos em alguns anos. A análise dos dados demonstra que mecanismos institucionais indiretos de desigualdade, como a distribuição de doenças, são indicadores valiosos na ausência de dados mais diretos, como a renda.